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Exame Final de Avaliação e Agregação, o Exame de Ordem português: questão prática de direito europeu relacionada à prisão preventiva

Lei de Migração brasileira

Por Julian Henrique Dias Rodrigues, do gabinete de direito comparado do Dias Rodrigues Advogados em Lisboa, na variante brasileira da língua portuguesa (5/5/2018)

Dando continuidade à série de questões do exame de agregação da Ordem dos Advogados portugueses, lembramos que a prova prática incide também sobre áreas opcionais, dentre as quais estão o direito comunitário/europeu e a tramitação de processos no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como estabelecem os arts. 19, n.º 3, vii e ix, e 30, n.º 2, do Regulamento Nacional de Estágio (RNE).

Assim, os examinandos devem estudar a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) adotada pelo Conselho da Europa em 4 de novembro de 1950, convindo ainda adquirir noções do Regulamento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), composto por seus 112 dispositivos (rules) e anexos.

No exame aplicado em 21 de abril de 2017 a questão relacionada à tramitação de processos no TEDH foi assim colocada:

Pedro foi preso preventivamente em 27/02/2015, após o primeiro interrogatório judicial.

Em 19/03/2015 interpôs recurso da respetiva decisão, ao abrigo do artigo 219-1 do CPP.

Em 24/06/2015, apresentou requerimento de habeas corpus, invocando a ilegalidade da detenção por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo do CPP acima citado.

O Supremo Tribunal de Justiça, em 02/07/2015, rejeitou o habeas corpus com o fundamento que o prazo de 30 dias referido naquele artigo para que o Tribunal da Relação profira decisão é apenas indicativo, regulador do processo, por não conter qualquer sanção.

Em 02/07/2015, a Relação decidiu manter a prisão preventiva.

1. Foi violada alguma norma da Convenção? Fundamente.

2. Diga, fundamentadamente, que danos seriam, neste caso, suscetíveis de reparação ao abrigo da Convenção.

A pergunta dizia respeito à demora na apreciação judicial do recurso que questiona a legalidade de prisão, e exigia do examinando conhecimentos acerca do art. 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que trata do direito à liberdade e à segurança.

 

De acordo com o n.º 4 do art. 5.º, "qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.”

Não só. O art. 215 do Código de Processo Penal português, que dispõe acerca dos prazos máximos aplicáveis à prisão preventiva, e o art. 219, que traz o prazo máximo para julgamento do recurso apresentado contra a decisão que a aplica, compunham a base jurídica da resposta.

Uma vez apresentado o recurso da decisão que decretou a prisão preventiva, cabia ao Tribunal da Relação observar o art. 219, n.º 1, do CPP, pelo qual "da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo Ministério Público, a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos forem recebidos". 

Poderia a Relação extrapolar este prazo sem violar a Convenção?

A resposta esperada era a negativa. Com suporte na jurisprudência do TEDH, que ao longo dos tempos definiu a noção de curto prazo de tempo, esperava a comissão uma defesa da tese consolidada na Corte, que em essência diz que para fins de apreciação da violação ao art. 5.º, n.º 4, é adotado como termo inicial do prazo o momento em que o pedido de libertação é apresentado, e como termo final a data da apreciação da legalidade da detenção, ou seja, a data do julgamento do recurso.

Nesse sentido, dentre muitos, poderiam ser destacados os fundamentos lançados em acórdãos como os das applications de Sanchez-Reisse vs. Suíça (Application n.º 9862/82) e E. vs. Noruega (Application n.º 11701/85), profundamente alicerçados na doutrina dos direitos humanos.

Como informa o enunciado, a Relação analisou a legalidade da prisão 105 dias após a apresentação do pedido, superando excessivamente o prazo legal de 30 dias previsto no direito interno. Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça ao decidir que o prazo do art. 219, n.º 1, é meramente indicativo, sem consequências ao nível da libertação do preso, terá também aplicado um entendimento contrário à Convenção segundo a jurisprudência do TEDH, que é no sentido de considerá-lo obrigatório e vinculativo quando esteja em causa o valor do direito à liberdade.

Sendo esta a situação em análise, foi violado o art. 5.º, n.º 4, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Quanto à questão dos danos, o art. 225 do CPP português cuida da indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada, mas o teor estrito do enunciado leva-nos ao art. 41 da CEDH que estabelece que "se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário". 

Nesse sentido, cabia ao examinando responder que à luz do art. 41 da CEDH, poderiam ser aplicadas ao Estado português a indemnização por danos patrimoniais (ou danos materiais segundo a praxis brasileira), mesmo os relacionados à defesa no processo penal, já consolidados ou futuros, cabendo a adoção de parâmetros como os do direito interno, em especial quanto ao dever de indemnizar não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e os danos futuros previsíveis, a teor do art. 564, n.º 1, do Código Civil. Ainda, seria oportuno impor a Portugal a condenação pelos danos não patrimoniais ou morais, sendo certo neste caso que a gravidade da violação ao direito à liberdade merece a tutela do direito, como inspira a redação do art. 496, n.º 1, do mesmo Código Civil.

No Regulamento do TEDH o tema relativo à fixação das indemnizações é mencionado nas Practice Directions, onde se lê do item 3 do ponto dedicado à fase de cumprimento da decisão que aplica indemnizações (just satisfactions claims) que estas visam compensar danos não materiais, "como o sofrimento mental ou físico". Em tradução livre, diz o item III.3.13/14 das practice directions do Regulamento que "é intrínseco ao dano não patrimonial que não exista uma fórmula precisa para a sua fixação. Se a existência de tais danos é estabelecida e a Corte entende por aplicar um valor a título de condenação, se procederá a uma avaliação equitativa tendo em conta os padrões da sua jurisprudência".

A menção ao Regulamento do TEDH, no entanto, não foi exigida pelos examinadores. Quanto ao  mais, foram estes, em síntese, os fundamentos jurídicos esperados pela Comissão Nacional de Avaliação (CNA) para a atribuição da nota máxima à questão.

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