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O (re)começo da vida na advocacia

"... não mudamos de país para continuar a carreira do ponto em que estávamos quando saímos do Brasil.".

 

O relato de uma advogada brasileira em Portugal

Lei de Migração brasileira

Por Fernanda Rêgo, advogada inscrita na OAB e na OA, nascida em São Paulo e hoje residente em Sintra, Portugal (02/05/2017). 

Tenho visto muitas perguntas sobre o mercado de trabalho e dúvidas sobre a atuação de um advogado brasileiro em Portugal, e então resolvi compartilhar as minhas impressões de uma maneira simples.

O que precisa ficar muito claro para quem está com planos de seguir a carreira em Portugal é que não mudamos de país para continuar a carreira do ponto em que estávamos quando saímos do Brasil. Via de regra, será necessário começar do zero (ou quase do zero).

Calma! Não se assustem, colegas! Eu vou explicar...

Para começar, vamos fazer um exercício de memória.

 

Conseguem lembrar daquele fatídico primeiro dia de estágio? Lembram que nunca tínhamos visto um processo? Mal sabíamos - ou não sabíamos - fazer uma petição de juntada ou um substabelecimento, não sabíamos onde pesquisar jurisprudência (minha época de estágio foi “pré-Google”); não sabíamos muito sobre competência.

 

Ainda não tínhamos nem ideia de como emitir guias de custas, nem calcular as custas, ou atribuir o valor da causa. Não sabíamos onde era o setor de protocolo no Fórum. Aliás, nem sabíamos chegar ao Fórum! Ficamos meio perdidos quando ouvimos do cartório as respostas dadas com aquele bom humor típico: "está concluso(s)", ou "está na juntada".

 

E quando fomos pela primeira vez despachar uma petição?

 

Aquele nervoso, mesmo depois de ensaiar muito o que deveria dizer, saiu tudo meio diferente... e o juiz escreveu "J. Cls. com brevidade" e você ficou com aquela cara de "Tá bem! E agora?! O que eu faço?". Conseguiram lembrar disso tudo? Foi um período complicado, não foi?!

Quando decidimos advogar em outro país, com leis, sistemas e procedimentos diferentes, nós vivemos tudo isso novamente.

 

Tudo! Mas de uma maneira pior, pois não estamos mais no estágio, com alguém para nos explicar. Já estamos na linha de frente, como advogados e advogadas, com o cliente a perguntar quanto tempo leva para sair a sentença do caso dele. Se mesmo depois de 14 anos de advocacia no Brasil era difícil dar essa resposta, imaginem aqui.

Pensem na carreira do advogado que já iniciou a vida profissional como autônomo, logo depois de aprovado na OAB.

 

Via de regra, quando ainda não temos uma carteira de clientes, nem um nome conhecido no mercado, os primeiros casos são de pessoas conhecidas, certo? Aquela tia que tem um imóvel que o inquilino não paga aluguel; o processo no JEC do amigo contra a empresa de estacionamento que riscou o carro; a vizinha que foi demitida grávida e quer entrar com ação contra a empresa.

 

Pois é, colegas.... se vocês não tiverem uma família grande e muitos amigos em Portugal, podem não aparecer esses "primeiros casos".

 

Eu diria que pouco importa o escritório de renome que você trabalhou no Brasil, se você faz petições maravilhosas com termos em latim e com doutrinas incríveis, se faz inventários de milhões com o pé nas costas, se escreveu uma tese muito elogiada sobre a inconstitucionalidade de algum imposto, se conta prazos sem ter que olhar o calendário, se faz cálculos trabalhistas e previdenciários de cabeça, ou mesmo se já fez diversas sustentações orais... em outro país isso não vai ser relevante, pois temos que começar do básico.

É evidente que há quem já chegue com uma boa proposta de trabalho ou com um advogado parceiro que vai passar todas as explicações. Mas essa não é situação mais comum. O que ocorre normalmente é (re)aprender como advogar, porque nem sempre conseguimos encontrar colegas dispostos a ajudar nesses primeiros passos.

Não escrevo isso para desanimar ninguém, já disse diversas vezes e repito: adoro morar em Portugal. Mudar foi uma excelente decisão. Prefiro a vida que tenho aqui à vida que eu levava em São Paulo, trabalhando em um excelente escritório.

 

Escrevo porque penso ser importante vir consciente das batalhas a serem superadas, e de que será necessário muito estudo; mais que na época da faculdade ou do Exame de Ordem.

Escrevi tudo isso para dizer: não tenham medo, mas não acreditem em falácias de que tudo será fácil porque as leis são parecidas e o idioma é o mesmo. É preciso se preparar para enfrentar dificuldades, e se elas não surgirem ou forem menores que o esperado, é só comemorar.

Para fazer comentários e contactar a autora, envie e-mail para rego_fernanda@hotmail.com ou preencha o formulário:

Obrigado! Mensagem enviada à Dra. Fernanda Rêgo (rego_fernanda@hotmail.com).

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